quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Videos dos Contos

Videos produzidos por Alunos do 2ª período de Comunicação Social.

Quebrando Regras



Sob o céu de Saigon



Obs.: Os vídeos serão adicionados conforme recebidos.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Ser Publicitário é...



Publicitário de verdade tem sensibilidade de pintor pra perceber a melhor
combinação de cor e forma. E também habilidade de artesão para amarrar bem as palavras. Ator versátil, ele se transforma em cada consumidor com o qual quer falar. Astúcia de advogado não lhe falta: é preciso defender bem suas idéias porque certamente elas não vão agradar a todos. E o veredicto é sempre a favor do cliente. Para ser publicitário é preciso sonhar como poeta e racionalizar como executivo. Ser convincente como um vendedor e sedutor como modelo. Arriscar como um operador da Bolsa e no dia seguinte ter a cautela de um cirurgião, que não pode falhar.

Muitas vezes, é um atleta que corre contra o tempo. Caçador, mata um leão por dia e se orgulha dos troféus apesar de ser presa fácil da inveja e da vaidade. O bom publicitário sabe motivar como técnico e jogar como craque. Não é bombeiro, mas apaga incêndios. Não é santo, mas faz milagres. Não é repentista, mas cria na hora. Tem um quê de malabarista pra pular de agência em agência, sempre com medo de cair na rede do desemprego. O publicitário, acima de tudo, é um apaixonado por aquilo que faz.

Por: Juca Siqueira

Ser Jornalista é...




Ser Jornalista é saber persuadir, seduzir. É hipnotizar informando e informar hipnotizando. É não ter medo de nada nem de ninguém. É aventurar-se no desconhecido, sem saber direito que caminho irá te levar. É desafiar o destino, zombar dos paradigmas e questionar os dogmas. É confiar desconfiando, é ter um pé sempre atrás e a pulga atrás da orelha. É abrir caminho sem pedir permissão, é desbravar mares nunca antes navegado. É nunca esmorecer diante do primeiro não. Nem do segundo, nem do terceiro... nem de nenhum. É saber a hora certa de abrir a boca, e também a hora de ficar calado. É ter o dom da palavra e o dom do silêncio. É procurar onde ninguém pensou, é pensar no que ninguém procurou. É transformar uma simples caneta em uma arma letal. Ser jornalista não é desconhecer o perigo; é fazer dele um componente a mais para alcançar o objetivo. É estar no Quarto Poder, sabendo que ele pode ser mais importante do que todos os outros três juntos.

Ser jornalista é enfrentar reis, papas, presidentes, líderes, guerrilheiros, terroristas, e até outros jornalistas. É não baixar a cabeça para cara feia, dedo em riste, ameaça de morte. Aliás, ignorar o perigo de morte é a primeira coisa que um jornalista tem que fazer. É um risco iminente, que pode surgir em infinitas situações. É o despertar do ódio e da compaixão. É incendiar uma sociedade inteira, um planeta inteiro. Jornalismo é profissão perigo. É coisa de doido, de maluco beleza. É olhar para a linha tênue entre o bom senso e a loucura e ultrapassar os limites sorrindo, sem pestanejar. É saber que entre um furo e outro de reportagem haverá muitas coisas no caminho. Quanto mais chato melhor o jornalista.

Ser jornalista é ser meio metido a besta mesmo. É ignorar solenemente todo e qualquer escrúpulo. É desnudar-se de pudores. Ética? Sempre, desde que não atrapalhe. A única coisa realmente importante é manter a dignidade. É ser petulante, é ser agressivo. É fazer das tripas coração pra conseguir uma mísera declaraçãozinha. É apurar, pesquisar, confrontar, cruzar dados. É perseguir as respostas implacavelmente. É lidar com pressão, pressão de todos os lados. É saber que o inimigo de hoje pode ser o aliado de amanhã. E a recíproca é verdadeira. É deixar sentimentos de lado, botar o cérebro na frente do coração. É ser frio, calculista e de preferência kamikaze. É matar um leão por dia, e ainda sair ileso. É ter o sexto sentido mais apurado do que os outros, e saber que é ele quem vai te tirar das enrascadas. Ou te colocar nelas.

Ser jornalista é ser meio ator, meio médico, meio advogado, meio atleta, meio tudo. É até meio jornaleiro, às vezes. Mas, acima de tudo, é orgulhar-se da profissão e saber que, de uma forma ou de outra, todo mundo também gostaria de ser um pouquinho jornalista. Parabéns a nós!

Por: Sandro Miranda

Conto ou Crônica?




Crônica: narração histórica por ordem cronológica; pequeno conto de enredo indeterminado.
Conto: narração falada ou escrita.

Crônica: Por vezes é confundida com o conto. A diferença básica entre os dois é que a crônica narra fatos do dia a dia, relata o cotidiano das pessoas, situações que presenciamos e já até prevemos o desenrolar dos fatos. A crônica também se utiliza da ironia e às vezes até do sarcasmo. Não necessariamente precisa se passar em um intervalo de tempo, quando o tempo é utilizado, é um tempo curto, de minutos ou horas normalmente.

Conto: É uma narrativa curta. O tempo em que se passa é reduzido e contém poucas personagens que existem em função de um núcleo. É o relato de uma situação que pode acontecer na vida das personagens, porém não é comum que ocorra com todo mundo. Pode ter um caráter real ou fantástico da mesma forma que o tempo pode ser cronológico ou psicológico.

A narração é um dos gêneros literários mais fecundos, portanto, há atualmente diversos tipos de textos narrativos que comumente são produzidos e lidos por pessoas de todo o mundo.

Entre os tipos de textos mais conhecidos, estão o Romance, a Novela, o Conto, a Crônica, a Fábula, a Parábola, o Apólogo, a Lenda, entre outros.

O principal objetivo do texto narrativo é contar algum fato. E o segundo principal objetivo é que esse fato sirva como informação, aprendizado ou entretenimento. Se o texto narrativo não consegue atingir seus objetivos perde todo o seu valor. A narração, portanto, visa sempre um receptor.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Coesão e Coerência




Coerência e coesão textuais são dois conceitos importantes para uma melhor compreensão do texto e para a melhor escrita de trabalhos de redação de qualquer área.

A coesão trata basicamente das articulações gramaticais existentes entre as palavras, as orações e frases para garantir uma boa sequenciação de eventos.
A coerência, por sua vez, aborda a relação lógica entre ideias, situações ou acontecimentos, apoiando-se, por vezes, em mecanismos formais, de natureza gramatical ou lexical, e no conhecimento compartilhado entro os usuários da língua.

Pode-se dizer que o conceito de coerência está ligado ao conteúdo, ou seja, está no sentido constituído pelo leitor.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

ORIGEM DA PALAVRA BISSESTO

2000 é um ano com 366 dias. O último ano bissexto foi 1996. O astrônomo Alexandre Cherman, da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro, explica a origem do termo bissexto:
"Na época em que Júlio César encomendou a reforma do calendário ao astrônomo grego Sosígenes (45 a.C.), os meses eram divididos em três partes: calendas, nonas e idos. O primeiro dia de um mês era chamado "kalendae" (que deu origem ao termo calendário), e os demais eram contados de trás para a frente, num curioso e intrincado sistema. O dia 2 de janeiro, por exemplo, era "antediem IV nonas januarii". Ao decidir incorporar um dia ao mês de fevereiro, Júlio César não criou um novo dia (assim como foi criado o dia 29 de fevereiro), mas preferiu repetir um dia já existente (algo como 28 de fevereiro e 28 de fevereiro novamente). Esse dia repetido, em latim, chamava-se "bis VI antediem calendas martil" ou, simplesmente, "bissextum".

Avestruz é palavra masculina ou feminina? Tanto faz. Os dicionários ensinam que se pode dizer "o avestruz" ou "a avestruz". É óbvio que no plural vale o mesmo raciocínio: os avestruzes, as avestruzes. Outra que admite os dois gêneros é sabiá: "Foi lá e é ainda lá que eu hei de ouvir cantar uma sabiá"; "Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá".

O sinal arroba designando endereço eletrônico completou 33 anos. Quem inventou o sistema de troca de mensagens por computadores precisava separar destinatário e provedor. Era necessário um sinal gráfico, disponível em todos os teclados, que não fizesse parte dos nomes das pessoas e dos provedores. Por que escolheu o sinal de arroba? Outras opções, como o asterisco e o cifrão, talvez pudessem ser aproveitadas, mas Ray Tomlison, americano, preferiu o simples.
Corria o ano de 1971. Se fosse alemão, talvez fiel ao ditado famoso "por que o simples, se o complicado também serve?", que parece lema da burocracia brasileira, sua escolha tivesse sido outra. Por exemplo: seriam exigidos requisitos para enviar, como reconhecer firma, autenticar cópias, providenciar três vias, molhar o carimbo, enxugar as mãos numa toalha etc.

Os inventores não têm o reconhecimento que merecem. O brasileiro Alberto Santos Dumont inventou o avião, o meio de transporte mais rápido que existe e ainda não superado, se o que você quer é viajar aqui na Terra e não no espaço sideral. Quantos se lembram dele quando embarcam? Talvez fosse de bom tom inserir seu nome como homenagem para amenizar o tom enfadonho dos avisos habituais que as aeromoças são obrigadas a declinar quando o avião está prestes a decolar.

Os inventores do liquidificador, das máquinas de lavar roupas e louças, do aspirador e de outros eletrodomésticos também contribuíram para a libertação feminina. Precisamos prestar atenção a detalhes como esses. Escritoras feministas já nos advertiram do machismo nos dicionários. Sugiro ao leitor, para encurtar este exemplo, que compulse os dicionários e compare os verbetes "homem" e "mulher". Os aumentativos e diminutivos já dão uma idéia da ideologia subjacente. Entre homenzarrão e homão, e mulherão e mulheraça, há mais significados embutidos do que supõe nossa vã filosofia.

O conhecimento de tais usos da língua raramente aparece nas gramáticas ou é ensinado nas escolas, ainda que indispensáveis. Aliás, você nunca se irritou com as instruções escritas de outro meio de transporte, o elevador? "Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo está no andar." E antes de sair? Não será necessário aviso semelhante? "Antes de descer no andar, verifique se o mesmo está aí."

Voltemos ao computador, um dos mais recentes eletrodomésticos, que hoje convive com a televisão, o rádio e o som, este último já reduzido de aparelho de som, tendo substituído antes o fonógrafo, a vitrola, a eletrola. O e-mail (abreviação de "electronic mail", correio eletrônico) há tempos substitui a carta tradicional.

O sinal de arroba, antes designando apenas medida de peso equivalente a mais ou menos 15kg, veio do árabe "ar-rub", mas consolidou-se com o significado de indicação de endereço porque o inglês já o usava como sinônimo de "at" (em), por meio da abreviatura que designou originalmente a medida correspondente.

O novo significado do símbolo luminoso remete-nos, paradoxalmente, à Idade das Trevas, como tem sido concebida erroneamente a Idade Média. Foram copistas medievais que inventaram o sinal de arroba como sinônimo do latim "ad", que indica em, para. O inglês grafou "at" em vez de "ad". Foram eles também que inventaram o asterisco (*), o "e" com o sinal de sociedade (&), o cifrão ($), o pingo no "i" e a separação das palavras na frase, além do ponto, da vírgula e de outros sinais indispensáveis à compreensão do texto. Afinal, a frase latina "in diebus illis" (naqueles dias) transformou-se em sinônimo de dificuldade, aportuguesada para busílis, porque o copista tinha separado erroneamente as palavras. O inventor da arroba separou corretamente.


[JB - Coluna Língua Viva - 29/11/2004 - teresa97@terra.com.br]

Aí pelas ruas talvez exista ainda alguém fantasiado de Arlequim, como ocorria nos carnavais há algumas décadas. Mas é raro. Assim como o Pierrô e a Colombina, o Arlequim foi muito popular na virada do século. Aliás, não só esse trio, mas toda uma família de saltimbancos, que havia irrompido nos palcos do século XVI. Mas por uma série de fatores, a tematização desses tipos foi muito constante na virada do século XIX para o século XX.

Em 1892, Leon Cavallo cristalizou o conflito do triângulo amoroso em "Os palhaços". Em 1905, Picasso pinta "Família de saltimbancos" e outros quadros com esses personagens. Degas e Cézanne estão entre muitos que também pintaram seu "Arlequim". A própria literatura brasileira vem, em 1919, com "Carnaval", de Manuel Bandeira; em 1920, com "Máscaras", de Menotti del Picchia, e "Arlequinada", de Martins Fontes. Mário de Andrade, por sua vez, tematizou o carnaval sob várias formas e definia-se como uma criatura arlequinal.

Mas quem vê o Arlequim tão sestroso, folgazão e brejeiro (como se dizia), mal pode imaginar que num tempo remoto ele foi o avesso disto tudo. Exatamente. Originalmente, em vez de um sedutor, foi um violador. Em vez de amante, um estuprador. Em vez de um dançarino, um guerreiro bárbaro.

Por isto, o estudo de certas imagens e palavras mostra como o certo e o avesso vivem se intercambiando. Preocupado com essas ambivalências, Freud já havia anotado que a etimologia de "branco" e "preto" parecia ser a mesma, alertando para o fato de que o radical do francês "blanche" e do inglês "black" é o mesmo.

Arlequim, Hallequim. O nome é quase idêntico. Mas o significado diametralmente oposto.

Quem vê no palco ou no carnaval o saltitante e sedutor Arlequim nem percebe que ele é uma variante moderna de um tipo selvagem que comandava uma horda de homens-bestas. Hallequim é uma deformação onomástica de Harila-King - rei dos exércitos. Tinha na mão enorme maça ou tacape. Comandava um feralis-exércitus (exército de mortos). Pertencia à mesma estirpe de figuras primitivas, como o lendário rei Frotho, da mitologia dinamarquesa, que invadia aldeias, violentava mulheres e humilhava barbaramente os vencidos. Esses guerreiros exibiam a petulância (agressividade sexual), a lascívia (exigências sexuais) e se consideravam conubernales (companheiros da tenda do rei). Vestiam-se de peles selvagens, assemelhando-se aos ursos, e não cortavam os cabelos até que matassem alguém. Também não tinham propriedades pessoais e viviam se deslocando atrás de presas, como centauros seqüestradores de mulheres.

Mito? Realidade?

Esse exército não era só uma crença. Era muito bem representado por máscaras. Temos uma prova disto, uma descrição que data de 1100, vinda da Normandia, que cita como rei da tropa selvagem um certo Herlechinus, que viria do Harilaking anglo-normando, rei da família Herlechini, que não é senão o Arlequim. Nosso Arlequim da commedia dell'arte foi, na origem, o sublime rei de um exército de fantasmas. Pode-se reconhecer esta forma primitiva do Arlequim em muitas personagens que existem no carnaval, graças à fantasia que usam. A partir de 1470 esta fantasia é descrita como despedaçada, cheia de rasgões, com pequenos pedaços de tecidos coloridos.

Um estudo semiológico das metamorfoses do personagem, sua passagem da horda primitiva para o palco da comédia, poderia ser feita mais detalhadamente. Não só a transformação da roupa esfarrapada em estilizados losangos coloridos, mas a conversão do porrete original em espada fálica. Igualmente, a figura original do Hallequim está sempre num cenário onde há cavalos e se inscreve no mito dos centauros. Esses cavalos, carroças, carruagens encaminham o tema do seqüestro, presente nas diversas peças e gravuras que tratam do Arlequim moderno. O que era grotesco atinge não apenas o cômico, mas até o sublime, através da estilização, em peças como "O triunfo de Arlequim", "Arlequim Imperador da Lua" e "Arlequim Cavaleiro do Sol" (séc. XVIII). O bárbaro e primitivo Hallequim surgia nas vilas e aldeias em meio a formidável charivari. Sobretudo no solstício de inverno (entre o Natal e a Epifania). Ele está registrado num texto do séc. XIV ("Roman de Fauvel") que, em forma de poesia, narra o casamento de um cavalo e uma mulher.

E por aí teríamos muito ainda a discorrer. A moderna teoria da carnavalização, que amplia o que em 1927 foi lançado por Mikhail Bakhtin, tem notável contribuição a dar não só na problematização e recuperação desse personagem, mostrando como o imaginário civiliza as imagens arcaicas. Um estudo moderno do Arlequim não pode desvinculá-lo da figura daquilo que em antropologia se chama de "trickster"- aquele mágico e malandro das tribos, que é tão bem encarnado no "Macunaíma" de Mário de Andrade.

E assim como a imagem do Arlequim se enriquece com a recuperação de seu metamorfoseado avesso histórico, também as figuras do Pierrô e da Colombina vão deixando de ser apenas fantasias episódicas e superficiais de uma festa carnavalesca, para serem estruturas simbólicas de nosso inconsciente e de nossos dramas sociais.

Tomemos um exemplo, entre tantos, na literatura brasileira: "Dona Flor e seus dois maridos", de Jorge Amado, é um romance que pode ser lido nessa clave. Vadinho é o Arlequim: dançarino, boêmio, brigão, don Juan, sedutor, jogador, vivendo aleatoriamente o prazer presente. Morre dançando no carnaval, fantasiado de mulher. Já Teodoro é o Pierrô: é o lugar da ordem, do prazer com horário certo, um burocrata no sexo e nos negócios. Porém, Dona Flor, envolvida por esses dois amores contraditórios, resolve imaginariamente o conflito que a Colombina tradicionalmente nunca pôde resolver. Ela fica com os dois. Trabalha pela inclusão imaginária, vivenciando uma verdade intemporal, pois as criaturas humanas são elas e suas contradições.

As máscaras nos falam das ambiguidades e a teoria da carnavalização ajuda a resgatar enigmas de ontem e a aclarar comportamentos individuais e sociais hoje.


[Jornal O Globo - 5 de Março de 2003]

Um pequeno leitor de Caxias - ele está cursando a 6ª série - resolveu ingressar desde cedo no grupo dos que não se contentam com explicações simplistas sobre nosso idioma: "O autor S... diz que o nome do continente onde fica o Pólo Sul é Antártida, e que Antártica é marca de cerveja, mas não entendo por quê. Não seria mais lógico ter o Ártico num pólo e a Antártica no outro - os dois com a letra C?".

Pois, meu jovem caxiense, sou obrigado a concordar contigo em gênero, número e caso, pelos motivos que vou apresentar.

O nome Ártico (outrora Árctico) vem do Grego arktos, "urso", não por causa do urso polar, mas sim por causa da Grande Ursa, a constelação do Norte, assim denominada pelos astrônomos antigos por causa do mito grego da ninfa Calisto: seduzida por Zeus, o rei dos deuses, a pobre ninfa foi punida por Artêmis, a deusa da caça, que a transformou numa ursa; anos mais tarde, numa caçada, o filho de Calisto, que desconhecia o destino da mãe, preparava-se para abater o animal, quando Zeus, inconformado com a injustiça, transformou os dois nas constelações das Ursas, sempre visíveis no Hemisfério Norte, em direção ao Pólo.

Nada mais natural, portanto, que o continente gelado do Sul, a Antártica, fosse convenientemente batizada como "oposta ao Ártico" (anti+arkticos). Nos mapas-múndi do século dos Descobrimentos, figurava um "continente Austral", que se estenderia da Austrália (que só era conhecida em parte) até a Terra do Fogo, sem interrupção. Muitos navegadores dos séculos 16 e 17 chegaram bem perto, ao passar do Pacífico ao Atlântico, mas, ao que parece, o primeiro a atravessar o Círculo Antártico foi James Cook, na sua viagem de 1772-1775, comandando o Resolution e o Adventure (nomes perfeitos para um navio se tornar lendário...) .

A variante Antártida (com D), usada principalmente pelos países de língua espanhola (a Argentina, o Chile, a própria Espanha) pode ter vindo da associação equivocada com o continente perdido da Atlântida. Parece uma boa hipótese. Primeiro, porque, desconsiderando a etimologia do nome (que está, como vimos, associado ao Ártico), pode-se construir uma simples proporcional, em que o adjetivo atlântico está para o substantivo Atlântida assim como o adjetivo antártico estaria para Antártida. Depois, porque ambas, Atlântida e Antártica, designaram no imaginário do Ocidente, por centenas de anos, terras misteriosas, ignotas, onde tudo poderia acontecer. Antes que os noruegueses de Amundsen e os ingleses de Scott, na virada deste século, desbravassem o Continente Branco, a literatura se aproveitou deste último rincão desconhecido de nosso planeta para imaginar paisagens fantásticas. Basta lembrar ao leitor o mundo tropical, misterioso e aterrorizante, que Poe situa nas imediações do Pólo Sul em seu inigualável As aventuras de Arthur Gordon Pym, que mereceu a continuação de pelo menos dois famosos escritores, Júlio Verne (A esfinge dos gelos) e H. P. Lovecraft (As montanhas da loucura).

O Francês ora usa Antarctique, ora Antarctide. No Brasil, a hesitação vai pouco a pouco se resolvendo em favor da forma internacional Antártica. Embora nossa legislação vacile entre as duas possibilidades (nossos decretos se referem tanto ao Tratado da Antártida, quanto ao da Antártica), esta última é a forma utilizada na maioria das universidades e nos órgãos governamentais que mantêm institutos de pesquisa sobre essa região; no Houaiss, dois verbetes trazem Antártida, enquanto oito preferem Antártica (ver "gondwana" e "grou", por exemplo). Quem alega que Antártica é o nome da cerveja e não do continente está tomando o efeito pela causa: a cerveja é que foi batizada de Antárctica (assim mesmo, com o C antes do T) em homenagem às terras geladas do Sul - com direito aos dois pingüins no rótulo. Só não sei se aqui Antártica é substantivo ou adjetivo - comparando: se é cerveja Brasil ou cerveja Brasileira, ou, num exemplo ainda mais adequado, se é cerveja Ártico ou cerveja Ártica. Isso se resolve com uma pesquisa na história da Cervejaria Antárctica, que tem, aliás, como concorrente mais antigo, a Cervejaria Brahma, cujo nome vem do famoso deus Brahma (que estava presente nos rótulos primitivos); sua adoração (do deus, não da bebida) é conhecida por "bramanismo". Mas isso já é outra história.


[Zero Hora, Edição nº 14530 - Porto Alegre, 04 de junho de 2005]


E-Mail: claudio.moreno@zerohora.com.br

Vivemos mergulhados num mar de palavras e nos acostumamos, desde pequeninos, a olhar através delas para enxergar o mundo dos significados, da mesma forma que olhamos através da janela para enxergar a paisagem.

Se, no entanto, fixarmos o olhar na própria vidraça - isto é, se examinarmos os sons, as letras ou os elementos que constituem uma palavra, em vez de procurar o seu sentido, vamos ingressar num campo de puro divertimento. Se você gosta das palavras, como eu, experimente recombinar morfemas, permutar letras, trocar sílabas de lugar, e vai ficar surpreso com as coincidências que vai descobrir. Você, meu caro leitor, certamente já tinha notado que a palavra anilina provém de anil (azul), embora hoje exista em várias cores; mas terá percebido, também, que ela é um palíndromo, isto é, que pode ser lida de trás para frente, com o mesmo resultado?

Este lado lúdico da linguagem está bem vivo para as crianças; elas decidem quem vai começar a brincadeira por meio de jogos de escolha rimados, desprovidos de sentido, como "uni-duni-tê, salamê mingüê", ou "una, duna, tena, catena", e se encantam com os trava-línguas, com o jogo da forca, com a língua do P, com os trocadilhos e as adivinhas. Já os mais taludos, como eu, enfrentam as palavras cruzadas, as charadas, os palíndromos ou os acrósticos, entre dezenas de proezas e acrobacias verbais que o homem inventou para se divertir. Mostro, abaixo, algumas interessantes variações:

Palavra-valise - (ou palavra portmanteau) é formada pela união de pedaços de duas outras palavras. Geralmente se usa o início de uma e o final da outra. Trouxemos bit (binary digit) e motel (motor hotel) do Inglês; aqui, formamos portunhol (português + espanhol), televizinho (televisão + vizinho), estagflação (estagnação + inflação), aborrescente (adolescente + aborrecido).

Millôr Fernandes iniciou a moda de montar palavras-valise imaginárias (cartomente - uma adivinha que nunca diz a verdade) ou interpretar palavras comuns como se tivessem essa dupla construção: cerveja - sonho de toda revista; melancólica - dor de barriga provocada por excesso de melão.

Spoonerismo - É um trocadilho em que ocorre uma troca de sons entre duas palavras, como transformar bola de gude em gula de bode. Seu nome vem de W. A. Spooner, um desastrado pregador britânico que ficou famoso por esses lapsos involuntários. Millôr tem uma hilariante versão da fábula do bode e da raposa, intitulada "A baposa e o rode", totalmente escrita em spoonerismos.

Anagrama - Consiste em uma palavra obtida pela recombinação das letras de outra; é indispensável que a nova palavra utilize exatamente as mesmas letras. Um bom anagrama deve ter o seu significado relacionado de alguma forma com a palavra original, algumas vezes com efeito satírico ofensivo. Os nomes Alice e Belisa , por exemplo, nasceram da recombinação das letras de Célia e Isabel, respectivamente. É clara a intenção simbólica de José de Alencar, ao batizar de Iracema - anagrama de América - a heroína de seu romance indianista, assim como é puro jogo de maledicência apontar que Axl Rose é o anagrama de oral sex e argentino é o anagrama de ignorante.

Lipograma - Do grego lipo ("retirar") e grama ("letra"). Eis uma boa definição lipogramática, sem usar o E: "Isto constitui um lipograma: uma oração, um parágrafo, um capítulo, um livro todinho composto faltando um dos nossos símbolos gráficos; no caso atual, omiti a vogal situada após o D". O lipograma já era cultivado entre os gregos; no século 17, o espanhol Alonso de Alcalá escreveu cinco novelas de amor que omitiam, sucessivamente, as cinco vogais no espanhol. O endiabrado George Perec (1938 - 1982), membro do Ou.Li.Po. (grupo dedicado a jogos verbais e literários), escreveu o romance La disparition ("O desaparecimento") omitindo a vogal E, a mais usada no Francês.

Pangrama - Texto que utiliza todas as letras do alfabeto (do grego pan, "todas", e grama, "letras"). Um bom pangrama deve usar o menor número possível de letras e não ser desprovido de sentido. Quem sempre se interessou por este tipo de jogo foram os tipógrafos e os professores de datilografia, preocupados em acostumar os alunos com a totalidade do teclado. No inglês, a frase The quick brown fox jumps over the lazy dog ("A lépida raposa marrom pula por cima do cachorro preguiçoso") tem oito falhas (oito letras repetidas), mas o seu simpático significado fez dela o exemplo mais conhecido de pangrama. No Português, não se incluirão o W, o Y e o K, que não pertencem a nosso alfabeto oficial.


[Porto Alegre, 19 de novembro de 2005 - Zero Hora, Edição nº 14699]

E-Mail: claudio.moreno@zerohora.com.br

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A nova gramatica

HÍFEN

Não se usará mais:
1. quando o segundo elemento começa com s ou r, devendo estas consoantes ser duplicadas, como em "antirreligioso", "antissemita", "contrarregra", "infrassom". Exceção: será mantido o hífen quando os prefixos terminam com r -ou seja, "hiper-", "inter-" e "super-"- como em "hiper-requintado", "inter-resistente" e "super-revista"
2. quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente. Exemplos: "extraescolar", "aeroespacial", "autoestrada"

TREMA
Deixará de existir, a não ser em nomes próprios e seus derivados

ACENTO DIFERENCIAL
Não se usará mais para diferenciar:
1. "pára" (flexão do verbo parar) de "para" (preposição)
2. "péla" (flexão do verbo pelar) de "pela" (combinação da preposição com o artigo)
3. "pólo" (substantivo) de "polo" (combinação antiga e popular de "por" e "lo")
4. "pélo" (flexão do verbo pelar), "pêlo" (substantivo) e "pelo" (combinação da preposição com o artigo)
5. "pêra" (substantivo - fruta), "péra" (substantivo arcaico - pedra) e "pera" (preposição arcaica)

ALFABETO
Passará a ter 26 letras, ao incorporar as letras "k", "w" e "y"

ACENTO CIRCUNFLEXO
Não se usará mais:
1. nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos "crer", "dar", "ler", "ver" e seus derivados. A grafia correta será "creem", "deem", "leem" e "veem"
2. em palavras terminados em hiato "oo", como "enjôo" ou "vôo" -que se tornam "enjoo" e "voo"

ACENTO AGUDO
Não se usará mais:
1. nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "assembléia", "idéia", "heróica" e "jibóia"
2. nas palavras paroxítonas, com "i" e "u" tônicos, quando precedidos de ditongo. Exemplos: "feiúra" e "baiúca" passam a ser grafadas "feiura" e "baiuca"
3. nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com "u" tônico precedido de "g" ou "q" e seguido de "e" ou "i". Com isso, algumas poucas formas de verbos, como averigúe (averiguar), apazigúe (apaziguar) e argúem (arg(ü/u)ir), passam a ser grafadas averigue, apazigue, arguem

GRAFIA
No português lusitano:
1. desaparecerão o "c" e o "p" de palavras em que essas letras não são pronunciadas, como "acção", "acto", "adopção", "óptimo" -que se tornam "ação", "ato", "adoção" e "ótimo"

quarta-feira, 31 de março de 2010

Coerência

Coerência, ou textualidade, é o que faz com que um texto seja compreensível aos leitores. Por essa razão, a coer6encia deve ser vista como um princípio de interpretabilidade do texto.

Fatores de coerência

1. Elementos linguísticos: Seleção pertinente de palavras que servem como pistas para a ativação dos conhecimentos arquivados na memória, e que constituem o ponto de partida para a compreensão e para a elaboração de interferências.

2. Conhecimento do mundo: É a totalidade do conhecimento armazenado em nossa memória, adquirido através da experiências advindas do nosso contato com o mundo.

3. Conhecimento partilhado: É o que há de comum entre o meu conhecimento de mundo e das demais pessoas

4. Interferência: É a operação pelo qual o leitor/ ouvinte, ultilizando de seu conhecimento de mundo, estabelece uma relação não explícita entre duas ou mais ideias, para compreender e interpretar um texto.

5. Fatores de contextualizaçào: Dizem respeito a data, local, autor, elementos gráficos, ilustrações etc. que ajudam a estabelecer a coerência textual

6. Intencionalidade e aceitabilidade: Refere-se ao modo como os emissores usam os textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados aos efeitos desejados.

7. Situcionalidade: Trata-se de analisar em que medida a situação comunicativa imediata, ou a situação sócio-político-cultural interfere na coerência do texto, tanto no momento de sua produção quanto de sua interpretação. Um texto que é coerente em uma situação pode não se-lo em outra.

8. Informatividade: Diz respeito ao grau de previsilibidade da informação no texto.

9. Focalização: Tem a ver com a concentração dos interlocutores em apenas uma parte de seu conhecimento e na perspectiva da qual são vistos os componentes do mundo textual

10. Intertextualidade: É a relação necessária que um texto mantêm com outro(s) ou por citação ou por relação de sentidos que se assemelham ou se opõem.

11. Consistência ou relevância: Por consistência se compreende a exigência que cada enunciado seja consistente com as relações aos anteriores e posteriores, de modo que não haja contradição.

OS LIVROS MAIS LIDOS DO MUNDO

1 - Crime e Castigo,de Dostoiévski

O romance que marca dez entre dez adolescentes.Publicado em 1866, conta a história de Raskolnikof,um sujeito atormentado que decide matar uma mulher, é surpreendido pelo acaso,tem de cometer outro crime e passa a viver torturado pela culpa.Todos os conflitos do ser humano estão sintetizados nos pensamentos dessa figura que se
espreita sinistramente por São Petersburgo.Qual o limite da racionalização de um indivíduo?Até onde sua justificativa conceitual pode permitir um comportamento socialmente condenado?Depois deste livro,você nunca mais vai ter uma resposta definitiva para essas dúvidas.



2 - Dom Quixote,de Miguel de Cervantes

O pai de todos os romances.Dom Quixote leu demais as histórias heróicas de cavaleiros que enfrentavam tudo e todos em nome de uma paixão transcendental e decide se tornar um deles.Apanha no livro inteiro.Sempre acompanhado de seu leal e quase sádico Sancho Pança,enfrenta moinhos imaginários em uma Europa que já não existe. Publicado em duas partes,em 1605 e 1615,o livro estabeleceu um padrão de narrativa distanciada,não raro irônica,que todos os grandes romances seguiriam depois.Mas,deturpado de seu sentido original,ainda é visto como uma história de triunfo ou antitriunfo.Não:é uma conversa que está dentro de cada um de nós.

3 - A Comédia,de Dante Alighieri

Assim como Dom Quixote ,trata-se de uma sátira que os resumos convencionais costumam não acentuar.Mais tarde chamada de A Divina Comédia ,o livro escrito entre 1306 e 1321 por Dante é uma espécie de vingança contra sua cidade,Florença,cujos habitantes são distribuídos pelo inferno e purgatório; apenas alguns merecem o paraíso,
especialmente a amada Beatriz e o guia do narrador,Virgílio,o autor de A Eneida .Normalmente exaltado por seu imaginário rico em precisão e sentimentos,o longo poema toscano também é inigualável em sua capacidade de unir o coloquial e o sofisticado,atingindo uma unidade complexa que raríssimos tradutores captam.

4 - Hamlet,de William Shakespeare

Quase tudo que Shakespeare (1564-1616)escreveu merece ser lido. Nenhum autor traduziu como ele as angústias do homem de qualquer época, confrontado entre a palavra e a justiça.Das peças mais famosas, Hamlet (1600 ou 1601) acaba sendo a escolhida por ser a mais filosófica, quase sem ação,sustentada em monólogos inesquecíveis.Mais enxuta que Rei Lear e mais regular que Macbeth, contém toda a ambigüidade da própria condição humana.Com provas tão fracas como o fantasma do pai que lhe aparece,Hamlet parte para se vingar do tio e,sobretudo,da mãe,contando com a falta de tato de sua amada Ofélia.E,ao contrário do que ocorre nas peças gregas,não há equilíbrio a restabelecer no final: apenas a imperfeição de qualquer verdade proferida pelo homem.

5- A Morte de Ivan Ilitch,de León Tolstói

Tolstói escreveu Guerra e Paz (1865-69)e Anna Karenina (1875-77),a maior história de guerra e a maior história de amor que o leitor já conheceu. Mas entre nesse mundo exclusivíssimo com A Morte de Ivan Ilitch ,um personagem que ninguém construiu igual no mesmo número de páginas. O pensamento de Tolstói,moralista,grandiloqüente,é de difícil assimilação pelo leitor moderno,mas a descrição do carreirista sem caráter Pedro Ivanovitch se faz nas dez páginas iniciais,nas quais nada,nenhum detalhe, é redundante.Em sua sede de aceitação social,incapaz de ter opinião própria,Ivanovitch leva uma vida covarde e representa o homem no que tem ao mesmo tempo de mais mesquinho e presunçoso:a crença de que não vai morrer.Sua vida é a própria morte

6 - As Viagens de Gulliver,de Jonathan Swift

Nenhum escritor teve tão poucas papas na língua para descrever a pobreza moral humana do que Jonathan Swift. Ensaísta e panfletário brilhante,ele publica As Viagens de Gulliver em 1726 com a intenção de "envergonhar o mundo, mais do que diverti-lo".E,divertindo-o como poucos, ele põe a nu as pretensões humanas nas viagens de Gulliver a Liliput, Brobdingnag,Laputa e Glubdubdrib,com seus seres vaidosos, imediatistas,bitolados e falsos, sintetizados finalmente nos Yahoos, sujos e degredados e estranhamente semelhantes aos homens. Swift fundou a prosa inglesa moderna e seu livro é a demonstração de que o orgulho humano não é tão racional.



7 - A Odisséia,de Homero

Não há que escolher entre A Ilíada e A Odisséia :os dois livros devem ser lidos.primeiro é o maior poema sobre uma guerra,ao mesmo tempo épico e detalhista,um prodígio de fluência narrativa e invenção melódica. A Odisséia é uma multiplicação ainda maior de histórias dentro da mesma história,a grande viagem de retorno de Ulisses (Odisseu)para sua terra,interceptada por seres fascinantes e lugares surpreendentes,que testam a grande virtude do navegador:sua capacidade de não perder o bom senso no pico das crises,de não ser sugado pelo abismo dos sentidos e dos desejos.Se houvesse um só livro para ler,e esse livro fosse A Odisséia ,não poderíamos reclamar da literatura.


8 - Ulisses,de James Joyce

James Joyce era um sujeito tão excêntrico,tão excêntrico,que um dia teve uma idéia tão ambiciosa quanto óbvia:adaptar A Odisséia para nossa pobre vida cotidiana,sem heroísmos e mitologias,sem destinos grandiosos ou mesmo qualquer destino.E em 1992 ele publicou Ulisses, um relato que comprime em 24 horas de um perambular por Dublin os dez longos e atribulados anos que o Ulisses homérico gastou para voltar a Ítaca.Numa linguagem repleta de inovações,trocadilhos e cortes, perturbadoramente descontínua,entramos na cabeça de Stephen Dedalus, Leopold Bloom e Molly Bloom,três irlandeses aparentemente comuns. E de repente nos sentimos num mundo tão deslocado quanto o de Homero, como se o familiar e o estranho fossem um só.

9 - Em Busca do Tempo Perdido,de Marcel Proust

Publicado entre 1913 e 1927 em sete volumes,este é o maior romance do século, tanto no tamanho como na complexidade.Dezenas de personagens se cruzam em histórias de amor,ciúme e inveja,na França da Belle Époque,e a narrativa vai passando do detalhe ao painel e do painel ao detalhe sem fazer projeções definidas,num constante reajuste de tudo aquilo que nunca será perfeitamente ajustado.A grandeza do romance de Proust pode ser entendida na seguinte equação:há centenas de cenas e figuras memoráveis,mas,tal como um poema,não se pode resumir a história sem prejuízo dela mesma,tal o feitio das frases, modulação das vozes,a inteligência do texto.O micro e o macro nunca se relacionaram assim antes.

10 - As Flores do Mal,de Charles Baudelaire

A poesia francesa e mundial,a arte e a própria vida nunca mais foram as mesmas depois que Charles Baudelaire escreveu As Flores do Mal, em 1857.Acusada de blasfêmia e obscenidade,a reunião de poemas sobre o tédio e a hipocrisia da vida humana é menos agressiva do que pode parecer.O segredo de Baudelaire,que lhe permitiu se apropriar do passado e preparar o futuro da literatura,foi juntar a eloqüência clássica com as dissonâncias e imprecisões que seriam marcas da modernidade. Numa mesma estrofe,ele vai do sussurro ao grito,do doce ao amargo,e cria uma experiência vital.Baudelaire também foi grande crítico de música e pintura,derrubando o mito de que o crítico é um criador frustrado.

11 - Ilusões Perdidas,de Honoré de Balzac

Personagens tão reais quanto coisas,suas relações com dinheiro,amor e status, a busca pela glória,o choque das gerações,a inveja e o ciúme – todos os sentimentos humanos são recriados por Balzac (1799-1850) neste romance inesquecível.Respire fundo antes de entrar;é aos poucos que Balzac vai acumulando cenas e observações que vão ganhando sutileza e profundidade,e a figura de Lucien de Rubempré,o talento provinciano e romântico que tenta se afirmar em Paris,ao mesmo tempo nos expõe suas fraquezas e mediocridades e nos causa empatia irreversível.

12 - O Vermelho e o Negro,de Stendhal

Ao lado de Ilusões Perdidas ,é o grande romance do século 19. Mas não se assuste com isso ou com o rótulo de "clássico"e suas mais de 500 páginas.Deixe o ritmo de Stendhal (1783-1842)conduzi-lo,e a recompensa virá no conhecimento de Julien Sorel,o pobre ambicioso que quer ascender socialmente numa Paris em convulsão,mas nunca é inteiramente "aceito"porque,dono de um objetivo só,não pertence a grupos e desconhece seus códigos.Como em todo grande romance,não sabemos de que lado ficar.

13 - Madame Bovary,de Gustave Flaubert

Depois de tantos romances sócio-psicológicos majestosos como os de Balzac e Stendhal,Flaubert (1821-80)veio criar uma nova forma de contar histórias.Em Madame Bovary ele se ateve ao enredo tradicional,uma historinha de adultério.Mas colocando a mulher como protagonista e pintando uma galeria de homens patéticos,cada um a seu estilo,Flaubert reverteu a retórica e forjou um estilo cuidadosamente despojado,que rejeita o "crescendo"e o detalhismo.Flaubert revolucionaria a prosa de ficção ao defender que cada história tem seu estilo e a jamais se repetir de um livro para outro.

14 - Tom Jones,de Henry Fielding

Depois da sátira moral de Jonathan Swift em Gulliver ,o romance inglês nunca mais seria o mesmo.Agudo e irônico como Swift,Fielding (1707-54)veio lhe retirar o moralismo e dar um alcance social em Tom Jones ,uma trama realista que envolve pela sensual seqüência de peripécias – amores,duelos,banquetes – comentadas pelo narrador falívele corajoso.A riqueza de personagens,especialmente da virtuosa Sofia,o Graal que Tom persegue,é acentuada pelo encadeamento das ações,em vez de atenuada em estereótipos.Um grande feito literário.

15 - Nicholas Nickleby,de Charles Dickens

Se Honoré de Balzac é o ápice da criação de personagens na Paris da primeira metade do século 19,Charles Dickens o é em Londres.Autor de numerosas histórias que passaram ao imaginário ocidental com uma força única,Dickens atingiu em Nicholas Nickleby (1839)uma energia que não se repetiria nas obras mais maduras e controladas,como David Copperfiel e Bleak House .Ninguém capturou o mundo social que envolve as crianças como Dickens,o impacto do abandono e dos maus-tratos e o sentimento de revolta que esse impacto vai deixar para sempre.

16 - Emma,de Jane Austen

No romance inglês do século 19 algumas mulheres despontaram com uma capacidade impressionante de observação sintética:Charlotte Brontë (Jane Eyre ),George Eliot (Middlemarch )e Jane Austen (1775-1817).Das três,Austen é aquilo que se acostumou a chamar de mais "feminina": suas mulheres parecem frágeis ou impotentes em boa parte do tempo,
mas nos momentos cruciais revelam uma força de caráter e expressão que só se adivinhava em detalhes.Os costumes e suas motivações – sempre em torno de casamentos – são descritos com uma finura insubstituível.